Dom José Falcão de Barros reflete sobre a frase “Seja feita a Vossa vontade assim na terra como no céu”, da oração do Pai Nosso, a partir de um texto de Santo Agostinho:
Quanto ao sacramento do corpo do Senhor, para não entrar em questão com muitos irmãos do Oriente que não participam diariamente da ceia do Senhor, mesmo que seja esse pão denominado quotidiano. Pois para que se silenciem nesta questão e não venham a se defender apoiando-se na autoridade eclesiástica, visto que os responsáveis de suas Igrejas não se opõem, e assim não são acusados de desobediência ao agir dessa maneira, nem de causar escândalo. Tudo isso prova que, naquelas regiões do Oriente, não se dá esse sentido às palavras da oração dominical ‘pão de cada dia’. De outra forma, eles seriam arguidos grandemente de culpa por não receberem cada dia o pão consagrado. Mas, conforme ficou dito, para não discutirmos nenhuma dessas opiniões, diremos que todo aquele que reflete verá claramente que nós recebemos do Senhor uma forma de oração, à qual não podemos transgredir, acrescentar ou omitir o que quer que seja. Assim sendo, quem se atreveria a afirmar que devemos rezar a oração dominical somente uma vez ao dia? Ou ainda a rezarmos duas ou três vezes, a ser mesmo suficiente só naquela hora em que recebemos o corpo de Cristo, sem pronunciarmos essa súplica nas horas restantes? Pois não devemos dizer: ‘dá-nos hoje’, o que já recebemos, a não ser que estejamos coagidos de celebrar esse sacramento só no fim do dia. Em vista disso, resta-nos que entendamos por pão quotidiano o alimento espiritual, a saber, os preceitos divinos, sobre os quais convém meditarmos e praticarmos cada dia. É acerca deles que o Senhor admoesta: ‘Trabalhai não pelo alimento que se perde, mas pelo alimento que perdura até a vida eterna’ (Jo 6, 27). Ora, esse alimento é chamado quotidiano durante esta nossa vida temporal que se desenrola pelos dias que se passam e sucedem sem cessar, enquanto os afetos da alma se alternam, dirigindo-se ora para o alto, ora para o que é inferior, isto é, ora para as coisas espirituais, ora para as carnais.
Santo Agostinho, De sermone Domini in monte, 2, 7, 25-27 (PL 34, 1279-1281)