Dom José Falcão de Barros reflete sobre a frase “Seja feita a Vossa vontade assim na terra como no céu”, da oração do Pai Nosso, a partir de um texto de Santo Agostinho:
Assim como qualquer ser que, em certo tempo, se refaz com alimentos, e em outro padece de fome, necessitamos todos os dias do pão para nos saciar a fome e restaurar as forças abatidas. Nosso corpo, enquanto estiver nesta vida, isto é, antes de sua transformação, tem necessidade de reparar com o alimento as energias perdidas no desgaste contínuo. Assim também nossa alma, por sofrer como que certa diminuição no amor de Deus, cansada por efeito das afeições temporais, necessita restaurar-se com o alimento dos preceitos divinos. Dizemos: ‘Dá-nos hoje’. A palavra ‘hoje’ é empregada para expressar o tempo que nossa vida mortal dura. Pois, depois desta vida, seremos de tal modo saciados com o alimento espiritual, por toda a eternidade, que esse pão não mais será chamado quotidiano. Lá não mais existirá esta mobilidade do tempo que faz com que os dias se sucedam aos dias, levando-nos a dizer ‘cada dia’. Havemos de entender tudo isso conforme aquelas palavras do salmo: ‘Hoje se ouvirdes a voz do Senhor’ (Sl 95[94], 7). O Apóstolo interpreta essas palavras na Epístola aos Hebreus, do seguinte modo: Enquanto ainda se disser ‘hoje’ (Hb 3, 13), isto é, enquanto vivermos aqui na terra. Assim também se há de entender o ‘dá-nos hoje’. Contudo, se alguém quiser interpretar este pedido da oração dominical em relação ao alimento necessário para o corpo ou ao sacramento do corpo do Senhor, convém que admita juntamente todos os sentidos aqui explicados e reconheça que pedimos, ao mesmo tempo, o pão quotidiano necessário ao corpo, o sacramento visível e o pão invisível da Palavra de Deus”
Santo Agostinho, De sermone Domini in monte, 2, 7, 25-27 (PL 34, 1279-1281)