Dom José Falcão de Barros reflete sobre a frase “Seja feita a Vossa vontade assim na terra como no céu”, da oração do Pai Nosso, a partir de um texto de São Cromácio de Aquileia:
“Damos uma dupla interpretação desta petição sugerida pelo Senhor. Em primeiro lugar, é um convite para que peçamos somente o pão necessário para cada dia. Não são as riquezas ou a abundância das coisas terrenas que precisamos pedir, mas o pão de cada dia; aquele pão que – para os autênticos cristãos que esperam a glória futura – é necessário apenas para a vida presente. Diz o Apóstolo: Tendo alimento e vestuário, contentemo-nos com isto (1Tm 6, 8). Mas, já antes, Salomão: ‘Indispensáveis para a vida do homem são o pão, a água e a roupa’ (Eclo 29, 28). Mas, quando na oração do Senhor dizemos ‘hoje’, vem-nos ensinado que devemos nos preocupar apenas com o dia que está passando, não fazendo previsões para toda a vida, de sorte que o nosso ânimo não seja tomado pela ânsia do tempo futuro, uma vez que o Senhor mesmo, em outro texto, adverte-nos de modo inequívoco: ‘Não vos preocupeis com o dia de amanhã, pois o dia de amanhã se preocupará consigo mesmo’ (Mt 6, 34). Mais importante, porém, é a segunda ‘leitura’ do pedido: trata-se da interpretação do espírito. O convite é para que peçamos ‘o pão de cada dia’, isto é, aquele pão celeste e espiritual, do qual nos alimentamos todos os dias para a cura da alma, com a esperança de obter, por força dele, a vida eterna. O Senhor falou dele no Evangelho, dizendo: ‘O pão que eu darei é a minha carne para a salvação do mundo’ (Jo 6, 52). É este pão celeste que devemos pedir todos os dias; pedimos que, com o auxílio da misericórdia do Senhor, mereçamos receber como alimento o corpo do Senhor”.
São Cromácio de Aquileia, Tractatus in Mathaeum, 14, 5 (PL 20, 360-361)