Dom José Falcão de Barros comenta o Catecismo da Igreja Católica. Reflete sobre a frase “Perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido”, da oração do Pai Nosso, e um texto do Papa Bento XVI:
“O quinto pedido do Pai-Nosso pressupõe um mundo no qual há culpa – culpa de homens para com homens, culpa perante Deus; toda culpa entre homens inclui, de algum modo, uma ferida na verdade e no amor e contrapõe-se assim ao Deus que é verdade e amor. Vencer a culpa é uma questão central de cada existência humana: a história das religiões gravita em torno desta questão. Culpa chama vingança; é assim que se forma uma cadeia dos culpados na qual o mal da culpa cresce continuamente e se torna sempre mais inevitável. Com este pedido, o Senhor nos diz: a culpa pode ser vencida por meio do perdão, não por meio da vingança. Deus é um Deus que perdoa, porque ama as suas criaturas; mas o perdão só pode penetrar, ser realmente eficaz, em quem for em si mesmo capaz de perdoar. […] Ninguém pode aceder diante de Deus irreconciliado com irmão; ir ter com ele nos gestos da reconciliação, ir ao seu encontro, é pressuposto da autêntica veneração de Deus. Deste modo, havemos de pensar que Deus, que sabia que nós, homens, nos encontramos diante d’Ele irreconciliados, saiu da sua divindade para se dirigir a nós, para nos reconciliar. Se quisermos compreender bem o pedido e o quisermos fazer nosso, devemos dar um passo para a frente e perguntar: O que é propriamente perdoar? O que é que então acontece? A culpa é uma realidade, uma potência objetiva, que provocou destruição e que deve ser vencida. Por isso, o perdão deve ser mais do que ignorar, mais do que o simples querer esquecer. A culpa deve acabar, deve ser curada, deve ser vencida. O perdão custa alguma coisa – em primeiro lugar para quem perdoa: deve em si vencer o mal que lhe aconteceu, ao mesmo tempo queimá-lo interiormente e assim se renovar, de tal modo que então acolha também o outro, o culpado, neste processo de transformação, de íntima purificação, e ambos se tornem novos, suportando e vencendo o mal. […] O pedido de perdão é mais do que um apelo moral, embora também seja isso. E, como tal, nos interpela todos os dias. Mas é, como todos os outros, uma oração profundamente cristológica. Ele nos recorda Aquele que teve de experimentar em si mesmo o perdão, a descida na fadiga da existência humana e a morte na cruz. Deste modo, ele nos chama, sobretudo para com Ele, em profunda gratidão, suportarmos o mal e acabarmos com ele por meio do amor. E quando todos os dias tivermos de reconhecer quão poucas são as nossas forças para aí chegarmos, então este pedido do Pai Nosso oferece-nos a grande consolação de os nossos pedidos estarem guardados na força do Seu amor e com Ele, por Ele e n’Ele poderem tornar-se força de salvação”.
Papa Bento XVI, Livro: Jesus de Nazaré, São Paulo, Planeta, 2007