Dom José Falcão de Barros reflete sobre a frase “Seja feita a Vossa vontade assim na terra como no céu”, da oração do Pai Nosso, a partir de um texto de Santo Tomás de Aquino:

“Deus quer que sejamos restabelecidos no estado e na dignidade em que foi criado o primeiro homem. Dignidade e estado tão elevados que seu espírito e sua alma não sentiam qualquer oposição da parte da carne e da sensibilidade. Enquanto a alma foi submissa a Deus, a carne foi submissa ao espírito e tão perfeitamente que não experimentou nem a corrupção da morte nem a alteração da doença e das outras paixões. Mas a partir do momento em que o espírito e a alma, que estavam entre Deus e a carne, se rebelaram contra Deus, pelo pecado, também o corpo se rebelou contra a alma e começou a ter doenças e a morrer, e sua sensibilidade continuamente se revoltou contra o espírito. O que faz com que São Paulo diga: Sinto nos meus membros uma outra lei, que repugna à lei do meu espírito (Rm 7, 23); e a carne tem desejos contra o espírito e o espírito contra a carne (Gl 5, 17). Assim, há uma guerra incessante entre o espírito e a carne; o homem torna-se cada vez pior pelo pecado. Deus quer que o homem seja restabelecido em seu primeiro estado, isto é, que não haja nada na carne que se oponha a seu espírito; o que São Paulo exprime assim: Pois é essa a vontade de Deus: a vossa santificação (1Ts 4, 3). Ora, esta vontade de Deus, quanto ao nosso corpo, não pode realizar-se nesta vida. Ela se realizará na ressurreição dos santos, quando seus corpos ressuscitarão gloriosos, incorruptíveis e esplêndidos, segundo a palavra do Apóstolo: Semeia-se na vileza, mas o corpo ressuscitará na glória (1Cor 15, 43). No entanto, a vontade de Deus se realiza aqui embaixo, no espírito dos justos, por sua justiça, ciência e vida. Assim, quando dizemos: «Seja feita a vossa vontade», pedimos ao Senhor que realize sua vontade também em nossa carne. Segundo esta explicação, no pedido «Seja feita a vossa vontade, assim na terra, como no céu», a Palavra céu designa nosso espírito e a palavra terra designa nossa carne. E o sentido deste pedido será: que vossa vontade seja feita na terra, isto é, em nossa carne, como é feita no céu, isto é, em nosso espírito, pela justiça”.
Santo Tomás de Aquino, In orationem dominicam, 44-51