Dom José Falcão de Barros reflete sobre a frase “Seja feita a Vossa vontade assim na terra como no céu”, da oração do Pai Nosso, a partir de um texto de São Cipriano de Cartago:

“Dizemos ainda na oração: ‘Seja feita a vossa vontade, assim na terra como no céu’ (Mt 6, 10), não para que Deus faça o que quer, mas para que façamos nós o que Deus quer. De fato, quem pode impedir que Deus faça o que quer? Nós, pelo contrário, podemos não fazer o que Deus quer, porque o diabo tenta impedir-nos de orientar os nossos sentimentos e ações, segundo a vontade divina. Por isso, pedimos e suplicamos que se faça em nós a vontade de Deus, e para isso precisamos da vontade de Deus, isto é, do seu poder e auxílios, porque ninguém pode confiar nas próprias forças: só na benevolência e misericórdia de Deus está a nossa segurança. Também o Senhor, manifestando a fraqueza humana que tinha assumido, diz: ‘Pai, se é possível, afaste-se de mim este cálice’. E, para dar exemplo aos seus discípulos de que não se deve fazer a vontade própria, mas a de Deus, acrescentou: ‘Todavia, não se faça como eu quero, mas como tu queres’ (Mt 26, 39). E, noutra passagem, diz: ‘Não desci do céu para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou’ (Jo 6, 38). Por isso, se o Filho obedeceu até fazer a vontade do Pai, quanto mais deve obedecer o servo para fazer a vontade do seu Senhor, como exorta e ensina João, numa das suas epístolas, a cumprir a vontade de Deus, dizendo: ‘Se alguém ama o mundo, não está nele o amor do Pai. Porque tudo o que há no mundo – a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida – não procede do Pai, mas do mundo. O mundo passa com as suas concupiscências, mas quem cumpre a vontade de Deus permanece eternamente’ (1Jo 2, 15-17). Se queremos permanecer para sempre, devemos fazer a vontade de Deus, que é eterno. A vontade de Deus é, portanto, aquela que Cristo fez e ensinou. Humildade no trato, firmeza na fé, discrição nas palavras; justiça nas ações, misericórdia nas obras, retidão nos costumes; não ofender ninguém e suportar as ofensas recebidas, conservar a paz com os irmãos; amar o Senhor com todo o coração, amá-Lo como Pai, temê-Lo como Deus, nada recusar a Cristo, já que Ele nada nos recusou a nós; unirmo-nos inseparavelmente ao seu amor, permanecer junto à cruz com fortaleza e confiança, quando estão em jogo o seu nome e a sua honra; mostrar nas palavras a constância que professamos, nas adversidades a confiança com que lutamos, na morte a paciência que nos dá a coroa da vitória; isto é querer ser herdeiro com Cristo, isto é observar o mandamento de Deus, isto é cumprir a vontade do Pai.
São Cipriano de Cartago, De dominica oratione, 14-16 (PL 4, 528-530)