Dom José Falcão de Barros reflete sobre a frase “Seja feita a Vossa vontade assim na terra como no céu”, da oração do Pai Nosso, a partir de um texto de São Gregório de Nissa:

“O gênero humano gozava um tempo de saúde espiritual, pois os afetos da alma estavam regulados pela norma da virtude. Porém, quando prevaleceu a concupiscência, a continência foi submetida pelo seu mais forte e poderoso rival, introduzindo-se, mediante ela, na natureza humana, a enfermidade mortal do pecado. Daí que o verdadeiro médico dos vícios e das enfermidades da alma, que se fez homem e viveu entre os homens por causa dos que estavam enfermos, extirpou a causa da enfermidade e nos restituiu a saúde primitiva, mediante os pensamentos contidos nesta oração. Pois bem, a saúde da alma consiste no cumprimento da vontade divina, assim como a enfermidade mortal da alma consiste em afastar-se dela. E uma vez que havíamos adoecido, abandonando a boa casa do paraíso ao tomar o veneno da desobediência, que mergulhou a nossa natureza em uma enfermidade letal, veio o verdadeiro médico e curou o mal com o antídoto medicinal: unindo com a vontade divina os que haviam se separado dela. Com efeito, as palavras da oração curam a enfermidade da alma, pois implora ‘faça-se a tua vontade’ quem sofre espiritualmente. E, sendo vontade de Deus a saúde espiritual dos homens, ao pedir que ‘se faça em mim tua vontade’, é necessário renunciar a todo gênero de vida contrário à vontade divina e manifestar isso na confissão. Porém, para realizar o bem, necessitamos da ajuda de Deus, que realize o nosso desejo. Por isso, dizemos: ‘uma vez que tua vontade é temperança, porém eu sou carnal e vendido ao pecado, cumpra-se em mim, pelo teu poder, a tua vontade’. Que quer dizer: ‘assim na terra como no céu’? Esta é a minha opinião: toda criatura racional se divide em natureza incorpórea e corpórea, ou seja, os anjos e os homens. A natureza incorpórea, livre do peso do corpo, habita nas regiões superiores, enquanto à natureza corpórea coube a vida terrena, por causa da relação com nosso corpo. Pois bem, a vida de cima está totalmente purificada de vícios e malícia, regendo-se exclusivamente pela vontade de Deus. Por isso, a oração nos ensina a purificar a nossa vida do mal para que, à semelhança da vida celeste, também se cumpra sem impedimento algum em nós a vontade de Deus”.
São Gregório de Nissa, De oratione dominica, 4 (PG 44, 1167D-1178A)