Frei Gilson e Dom José Falcão refletem sobre os quatro Evangelhos e os Padres da Igreja. Parte III:

Respondeu Jesus: “Porque a vós é dado compreender os mistérios do Reino dos Céus, mas a eles não. Ao que tem se lhe dará e terá em abundância, mas ao que não tem, será tirado até mesmo o que tem. Eis por que lhes falo em parábolas: para que, vendo, não vejam e, ouvindo, não ouçam nem compreendam. Assim se cumpre para eles o que foi dito pelo profeta Isaías: ‘Ouvireis com vossos ouvidos e não entendereis, olhareis com vossos olhos e não vereis, porque o coração deste povo se endureceu: taparam os seus ouvidos e fecharam os seus olhos, para que seus olhos não vejam e seus ouvidos não ouçam, nem seu coração compreenda; para que não se convertam e eu os sare’” (Is 6,9s).
Mateus 13,11-15

Mas, quanto a vós, bem-aventurados os vossos olhos, porque veem! Ditosos os vossos ouvidos, porque ouvem!
Mateus 13,16

Por aquele tempo, Jesus pronunciou estas palavras: “Eu te bendigo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequenos. Sim, Pai, eu te bendigo, porque assim foi do teu agrado. Todas as coisas me foram dadas por meu Pai; ninguém conhece o Filho, senão o Pai, e ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho quiser revelá-lo.
Mateus 11,25-27

“A mesma maneira como está redigida a Sagrada Escritura, acessível a todos, compreensível a pouquíssimos, fala sem engano o que contém de claro, como amigo íntimo ao coração dos ignorantes e dos doutos. E quanto ao misterioso, não o realça com grandiloquência de estilo até onde não podem chegar as inteligências lentas e não eruditas, como se fosse um pobre indo na direção de um rico; mas a todos convida em linguagem simples, não somente para alimentá-los com a verdade claramente exposta, mas também para exercitá-los na verdade secreta, oferecendo isto tanto no que é patente como no que é recôndito. E para que o que é manifesto não nos repugne, o próprio manifesto é desejado novamente; o que é desejado, de certo modo, se renova; o renovado penetra com suavidade em nosso coração. Com isto, salutarmente, os de conduta pervertida se corrigem, os fracos se alimentam e os grandes corações se deleitam”
Santo Agostinho (354-430)
Ad Volusianum, ep. 3

Durante a viagem, estando já perto de Damas­co, subitamente o cercou uma luz resplandecente vinda do céu. Caindo por terra, ouviu uma voz que lhe dizia: “Saulo, Saulo, por que me persegues?” Saulo disse: “Quem és, Senhor?” Respondeu ele: “Eu sou Jesus, a quem tu persegues. [Duro te é recalcitrar contra o aguilhão”. Então, trêmulo e atônito, disse ele: “Senhor, que queres que eu faça?”. Respondeu-lhe o Senhor:] “Levanta-te, entra na cidade. Aí te será dito o que deves fazer”.
Atos dos Apóstolos 9,3-6

“No profeta Ezequiel e no Apocalipse deste mesmo João, de quem é este Evangelho, é evocado um animal quádruplo, que tem quatro faces: a face de um homem, a de um novilho, a de um leão e a de uma águia (cf. Ez 1,5-10; Ap 4,6-7). Os que trataram os mistérios das Sagradas Escrituras antes de nós, entenderam o mais das vezes neste animal, ou melhor, nesses quatro animais, os quatro evangelistas. O leão é símbolo do rei, porque parece ser o leão, de algum modo, o rei dos animais, por causa de seu poder e de sua força terrível. Essa forma foi atribuída a Mateus, porque, nas gerações do Senhor, através da sucessão régia, demonstrou como o Senhor, pela estirpe real, provinha da descendência do rei Davi. Lucas, por sua vez, que começou pelo ministério do sacerdote Zacarias, fazendo menção do pai de João Batista, foi simbolizado pelo novilho, por ser o novilho a principal vítima no sacrifício dos sacerdotes. A Marcos foi atribuído com razão o homem Cristo, porque não disse coisa alguma do poder régio, nem começou pelo poder sacerdotal, mas partiu somente do homem Cristo. Todos esses três evangelistas quase não se afastaram das coisas terrenas, isto é, das coisas que, na terra, operou nosso Senhor Jesus Cristo. Acerca da divindade d’Ele, bem pouca coisa falaram, como se caminhassem com Ele sobre a terra. Falta a águia. É o próprio João, pregador das sublimes realidades e contemplador, com os olhos fixos, da luz interior e eterna. Dizem, pois, que os filhotes das águias são provados assim pelos seus pais: suspensos, a saber, nas garras do pai e expostos aos raios solares, o filhote que os fixar com olhar firme é reconhecido como filho; mas o que piscar é solto das garras, como filho adulterino. Vede, pois, quantas coisas sublimes deveu dizer o que foi comparado com uma águia. E nós mesmos, no entanto, que nos arrastamos pela terra, que somos fracos e mal temos alguma importância em meio aos homens, ousamos tratar essas coisas e explicá-las, e pensamos que somos capazes de compreendê-las, ao refletirmos sobre elas, ou de sermos compreendidos ao dizê-las”
Santo Agostinho (354-430)
Comentários ao Ev. segundo S. João
Homilia 36, 5

“O que posso fazer convosco, a quem a iniquidade fez tão surdos contra os testemunhos das Escrituras, a ponto de, o que quer que seja alegado delas contra vós, ousais afirmar que não foi dito pelo Apóstolo, mas foi escrito em seu nome por um não sei qual falsificador? A tal ponto a doutrina dos demônios que pregais é claramente estranha à doutrina cristã que de maneira alguma podeis defendê-la sob o nome de doutrina cristã, a não ser dizendo que os escritos dos apóstolos são falsos! Ó miseráveis inimigos de alma! Que escritos terão algum peso de autoridade, se os evangélicos e apostólicos não tiverem? Sobre o autor de qual livro haverá alguma vez certeza, se é incerto se os escritos que a Igreja diz e guarda como dos apóstolos, que os próprios apóstolos difundiram e proclamaram no meio de todos os povos com tanta perfeição? E será certo que os apóstolos escreveram o que é proclamado pelos hereges contrários a esta Igreja, atribuídos por eles aos nomes de seus fundadores, que viveram muito depois dos apóstolos? … Muitos compuseram muitas coisas sobre escrituras eclesiásticas, não porém com autoridade canônica, mas com a intenção de serem úteis ou de aprendizado. Como saber que uma obra pertence a alguém, senão porque no momento em que tal pessoa a escreveu deu-a a conhecer a quem pôde e a publicou, e daí o seu conhecimento chegou ininterruptamente a outros e a outros ainda e sempre com maior confirmação para a posteridade, até os nossos dias, para que, se nos perguntarem de quem é determinado livro, não hesitemos no que temos a responder? Mas por que recorrer a um passado tão distante? Aqui, temos alguns escritos nas mãos: se algum tempo depois do fim da nossa vida alguém negar que uns são de Fausto e outros meus, como se convencerá, senão pelo fato de que aqueles que agora os conhecem também transmitem as notícias até os mais distantes no tempo através da sucessão ininterrupta da posteridade? Assim sendo, quem na terra, senão aquele que se perverteu consentindo na malícia e engano de demônios mentirosos, está tão cego pela fúria a ponto de afirmar que a Igreja dos Apóstolos, numa concórdia de irmãos tão confiável e numerosa, não poderia merecer que seus escritos passassem com fidelidade à posteridade, quando com certíssima sucessão suas cátedras foram preservadas até os bispos de hoje, e o mesmo acontece tão facilmente com os escritos de qualquer homem, tanto fora da Igreja como na própria Igreja?”
Santo Agostinho (354-430)
Contra Faustum, 33, 6