Frei Gilson e Dom José Falcão continuam a introdução aos Evangelhos:
“Havia ainda diante do trono um mar límpido como cristal. Diante do trono e ao redor, quatro Animais vivos cheios de olhos na frente e atrás. O primeiro animal vivo assemelhava-se a um leão; o segundo, a um touro; o terceiro tinha um rosto como o de um homem; e o quarto era semelhante a uma águia em pleno voo”
Apocalipse 4,6-7
“Os evangelhos não são, nem mais nem menos, do que estes quatro. Com efeito, são quatro as regiões do mundo em que vivemos, quatro são os ventos principais e visto que a Igreja é espalhada por toda a terra e como tem por fundamento e coluna o Evangelho e o Espírito da vida, assim são quatro as colunas que espalham por toda parte a incorruptibilidade e dão vida aos homens. Por isso é evidente que o Verbo, Artífice de todas as coisas, que está sentado acima dos querubins e mantém unidas todas as coisas, quando se manifestou aos homens, nos deu um Evangelho quadriforme, sustentado por um único Espírito. Por isso Davi, ao invocar a sua vinda, diz: ‘Tu que te assentas acima dos querubins, aparece’ (Sl 80,2). Ora, os querubins têm quatro aspectos, e suas figuras são a imagem da atividade do Filho de Deus. Ele diz: “O primeiro animal é semelhante a leão” (Ap 4,7), caracterizando o poder, a supremacia e a realeza; ‘o segundo é semelhante a novilho’ (Ap 4,7), manifestando a sua destinação ao sacrifício, ao sacerdócio; ‘o terceiro tem rosto semelhante a homem’ (Ap 4,7), o que lembra claramente a sua vinda em forma humana; e ‘o quarto assemelha-se à águia que voa’ (Ap 4,7), sinal do dom do Espírito que sopra sobre a Igreja. Os evangelhos, portanto, correspondem a estes animais, acima dos quais está sentado Jesus Cristo. Um conta a geração preeminente, poderosa e gloriosa que tem do Pai, com estas palavras: ‘No princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus; e: Tudo foi feito por meio dele e sem ele nada foi feito’ (Jo 1,1). É por isso que este Evangelho está cheio de pensamentos sublimes; pois este é o seu aspecto. O Evangelho segundo Lucas, portador de caráter sacerdotal, começa com o sacerdote Zacarias que oferece a Deus o sacrifício do incenso, porque já estava pronto o vitelo gordo que devia ser imolado por causa da volta do filho menor. Mateus, por sua vez, narra a sua geração humana, dizendo: ‘Livro da origem de Jesus Cristo, filho de Davi, filho de Abraão’ (Mt 1,1). E em seguida: ‘A origem de Jesus Cristo foi assim’ (Mt 1,18). É, portanto, o Evangelho da humanidade de Cristo, por isso Jesus é constantemente apresentado como homem humilde e manso. Marcos, por sua vez, inicia pelo Espírito profético que do alto investe o homem: ‘Princípio do Evangelho; conforme está escrito no profeta Isaías’ (Mc 1,1-2), dando uma imagem alada do Evangelho. Por isso exprime-se de maneira concisa e rápida: é o estilo profético. É assim que o próprio Verbo de Deus falava conforme a sua divindade e glória aos patriarcas que viveram antes de Moisés; aos que viveram no tempo da Lei conferia função ministerial e sacerdotal; em seguida, quando se fez homem, para nós enviou o Espírito celeste a toda a terra para nos proteger com suas asas. Em suma, da forma como se apresenta a atividade do Filho de Deus assim é o aspecto dos animais, e igual ao aspecto dos animais é a característica do Evangelho: quadriformes os animais, quadriforme o Evangelho, quadriforme a atividade do Senhor. Por isso também foram concluídas quatro alianças com a humanidade: uma, nos tempos de Adão, antes do dilúvio; a segunda, depois do dilúvio, nos tempos de Noé; a terceira, que é o dom da Lei, nos tempos de Moisés; e a quarta, finalmente, que, por meio do Evangelho, renova o homem e as recapitula todas em si, e eleva os homens, fazendo-os levantar voo para o reino celeste”
Santo Irineu (130-202)
Contra as heresias, 3, 11, 8
“Que esses quatro Evangelhos foram prefigurados muito antes prova-o também o Livro de Ezequiel, no qual se descreve assim a primeira visão: Distinguia-se no centro a imagem de quatro seres: ‘seus rostos tinham todos eles figura humana, todos os quatro uma face de leão pela direita, todos os quatro uma face de touro pela esquerda, e todos os quatro uma face de águia’ (Ez 1,5.10). A primeira face de homem simboliza Mateus, que começou a escrever como de um homem: ‘Livro da geração de Jesus Cristo, Filho de Davi, Filho de Abraão’ (Mt 1,1); a segunda, Marcos, no qual se ouve a voz de um leão que ruge no deserto: ‘Voz do que clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor, tornai retas suas veredas’ (Mc 1,3); a terceira, a do touro, é a que prefigura que o evangelista Lucas situou o começo do seu relato a partir do sacerdote Zacarias (cf. Lc 1,5-21.57-80); a quarta simboliza o evangelista João, que, tomando asas de águia e lançando-se com prontidão às maiores alturas, escreve sobre o Verbo de Deus”
São Jerônimo (347-420)
Comentarii in Matthaeum, Praefatio
“O primeiro de todos é Mateus, publicano, de sobrenome Levi, que escreveu seu Evangelho em hebraico, na Judeia, principalmente por causa daqueles dentre os judeus que acreditaram em Jesus e que já não conservavam sombra nenhuma da Lei, uma vez que esta deu lugar ao Evangelho. O segundo é Marcos, intérprete do Apóstolo Pedro e primeiro Bispo da Igreja de Alexandria, que antes não conhecera o Senhor, porém aquilo que ouvira pregar o seu mestre, narrou-o mais de acordo com a fidelidade do que com a ordem dos acontecimentos. O terceiro é o médico Lucas, sírio antioqueno de nascimento, cuja máxima glória está em seu Evangelho; discípulo do Apóstolo Paulo nas regiões da Acaia e da Beócia, redigiu o livro indagando alguns fatos bastante antigos e, como ele mesmo confessa no prólogo, relatando mais coisas ouvidas que vistas. O último é João, apóstolo e evangelista, a quem Jesus queria muitíssimo, o qual, reclinado no peito do Senhor, bebeu as mais puras águas dos divinos ensinamentos e foi o único que mereceu ouvir do Senhor na cruz: ‘Eis aí a tua mãe’” (Jo 19,27)
São Jerônimo (347-420)
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